Por Beatriz Bandeira de Mello
No próximo dia 5 de junho completam-se 2 anos da promulgação da nova Lei dos Portos (12.815/2013). Entre inúmeras deliberações parlamentares, demandas dos trabalhadores e pressões sindicais, a nova lei foi – e ainda é – passível de muitos questionamentos. Sua origem, que remonta a MP 595/2012, foi conturbada. O embate entre os principais movimentos sindicais e o Governo Federal e a participação massiva da Federação Nacional dos Portuários e do Sindicato dos Portuários do Rio de Janeiro, foram alguns dos elementos que representaram a essência combativa da categoria.
As conquistas dos trabalhadores portuários e das entidades representativas foram muito importantes para a construção da Nova Lei. Desde a promulgação da MP 595/2012, as configurações em torno do papel da iniciativa privada e da própria regulação do trabalho portuário sofreram alterações consideráveis. Em meio a um cenário de conquistas trabalhistas, no entanto, não podemos esquecer do esvaziamento das Companhias Docas, que tiveram algumas de suas atividades delegadas à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e a Secretaria dos Portos (SEP), como por exemplo, a gestão das licitações que regem o processo de concessão dos portos.
De fato, a promulgação da Nova Lei dos Portos deu-se em meio a um cenário de avanços e retrocessos. No cenário trabalhista podemos destacar o grande empenho dos sindicatos em incorporar à Nova Lei os guardas portuários, que correram o risco de serem terceirizados, e a afirmação do trabalhador portuário como categoria diferenciada(1), fator este que fortalece o vínculo sindical. No que diz respeito às questões estruturais, vemos a ampliação do papel da iniciativa privada com o aumento das prerrogativas e da autonomia dos Terminais de Uso Privado (TUPs) que passaram a movimentar, além das cargas próprias, cargas de terceiros, concorrendo diretamente com os portos públicos.
A autonomia dos TUPs representa para os portos organizados uma perda na capacidade de movimentação de cargas e um desequilíbrio estrutural que atinge todo o sistema portuário nacional. Em 2013, os Terminais de Uso Privado responderam por 64% da movimentação de cargas brutas (granel sólido, granel líquido e carga geral), o que representa aproximadamente 593 milhões de toneladas, segundo a Secretaria dos Portos.
Hoje, existem mais de 160 TUPs autorizados pelo Governo Federal, 131 já em pleno funcionamento. No Rio de Janeiro, os terminais competem diretamente com a Companhia Docas no recebimento das mercadorias que compõem o fluxo de importação/exportação. Dentre as maiores controladoras de Terminais Privados podemos destacar a TRANSPETRO – subsidiária da Petrobras – responsável pelos TUPs Ilha Redonda, Almirante Maximiano e Almirante Tamandaré; e a LLX (atual PRUMO
Logística), que gere o Porto Sudeste e o Porto do Açu (2), concorrentes estratégicos do Porto de Itaguaí.
Pontuados os aspectos trabalhistas e estruturais da nova lei, não podemos nos esquecer dos esforços da nova gestão da Secretaria dos Portos em reverter as negociações consolidadas durante as discussões da MP 595/12, posteriormente transformada na Lei 12.815/13, cujos protagonistas foram o Sindicato dos Portuários, a Federação Nacional dos Portuários, o Senado e o Governo Federal. O problema aqui exposto diz respeito à Composição do Conselho de Administração das Companhias Docas.
No texto original a MP 595 retirava dos trabalhadores o direito de participar do CONSAD, em assuntos de extrema relevância para a categoria, como a deliberação sobre o fundo privado de previdência. Após inúmeras pressões sindicais, o dispositivo foi retirado da proposta e hoje não integra o corpo da Lei 12.815. A nova lei coincide então com o texto da primeira lei dos portos, 8.630/93, que regulava a participação dos trabalhadores no âmbito do CONSAD. Entretanto, em recente manobra articulada pela atual gestão da SEP, uma proposta de Estatuto Unificado das Companhias Docas, retirava – mais uma vez – o direito de participação laboral no âmbito do Conselho. Esta é mais uma tentativa de retroceder no caminho da ação trabalhista, que deve ser constantemente pautada pela categoria portuária.
Outra questão que merece destaque é a concessão dos canais de acesso, iniciativa recente da Secretaria dos Portos, cujo mentor é o ministro Edinho Araújo (PMDB-SP). Sabemos que esta medida esbarra em prerrogativas legais, uma vez que confirmada a supressão do parágrafo único do Art. 4º da MP 595/12, a concessão e a eventual gestão de todo o canal de acesso aos portos à iniciativa privada é vedada. Ou seja, a ação além de prejudicial para as Companhias Docas ainda é incoerente com as pautas trazidas pelo Sindicato, durante as discussões da Nova Lei.
Conclusivamente, podemos perceber que mais um passo rumo à dita “modernização dos portos”, que une os setores público e o privado, foi dado com a concessão dos canais de acesso. Vemos que hoje, 2 anos após a promulgação da Nova Lei, diversos gargalos logísticos e estruturais não foram resolvidos; os portos públicos ainda enfrentam dificuldades financeiras; as autoridades portuárias vêm sendo constantemente afetadas por movimentações político-partidárias; acordos tem sido descumpridos. A esperança na eficiência do setor privado é o caminho que o Governo Federal optou por seguir. Os trabalhadores portuários, representados por seus sindicatos, não devem deixar de vigiar os desdobramentos da lei, e de lutar por seus direitos, principalmente pelas Companhias Docas.
Seguiremos sempre atentos.