Com o lançamento da nova etapa do Programa de Investimentos em Logística (PIL) na última terça-feira são estimados cerca de 190 bilhões de reais em investimentos nos modais de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. Com o intuito de modernizar a infraestrutura e melhorar o escoamento de commodities por todo o Brasil, o Programa prevê a aproximação entre o setor público e o setor privado e a diminuição do chamado “custo Brasil”.
Para os portos brasileiros o PIL prevê aproximadamente R$38 bilhões, considerando novos contratos de arrendamento, Terminais de Uso Privado (TUPs) e renovações de arrendamentos já existentes. O ministro Edinho Araújo, da Secretaria dos Portos, declarou em recente matéria publicada pela Agência Brasil que pretende lançar até o final deste mês o edital que regulamenta o processo de licitação do primeiro bloco de novos arrendamentos – que inclui os Portos de Santos (SP), Santarém (PA) e Vila do Conde (PA), administrados pela Companhia Docas de São Paulo (CODESP) e Companhia Docas do Pará (CDP), respectivamente.
Somados, os novos arrendamentos respondem por mais de R$ 4 bilhões em investimentos. Ainda de acordo com o ministro, a prioridade dada aos portos mencionados tem relação direta com a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que está em processo de análise desde outubro de 2013. A nova etapa do Programa de Investimentos do Governo Federal, em particular no que concerne aos portos brasileiros, segue amparado pela Nova Lei dos Portos (12.815/13) e por dois decretos promulgados recentemente pela presidenta Dilma Rousseff (Decretos Nº 8.465 e Nº 8.464).
Entretanto, pouco se discute sobre os impactos reais dos novos decretos na Nova Lei dos Portos e também sobre as concessões que serão realizadas a partir dos próximos meses. O Decreto Nº 8.465 incide diretamente sobre o § 1º do Art. 62 da Lei nº 12.815/13, que diz:
“Art.62. O inadimplemento, pelas concessionárias, arrendatárias, autorizatárias e operadoras portuárias no recolhimento de tarifas portuárias e outras obrigações financeiras perante a administração do porto e a Antaq, assim declarado em decisão final, impossibilita a inadimplente de celebrar ou prorrogar contratos de concessão e arrendamento, bem como obter novas autorizações.
§ 1o Para dirimir litígios relativos aos débitos a que se refere o caput, poderá ser utilizada a arbitragem, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996”.
A referida Lei nº 9.307 dispõe sobre a arbitragem, procedimento realizado para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (Art. 1º, Lei nº 9.307/96). Portanto, o decreto sancionado pela presidenta no último dia 8 de junho está legalmente sustentado, visto que trata sobre:
“(…) as normas para a realização de arbitragem para dirimir litígios que envolvam a união ou as entidades da administração pública federal indireta e as concessionárias, autorizatárias ou os operadores portuários em relação ao inadimplemento no recolhimento de tarifas portuárias ou outras obrigações financeiras perante a administração do porto e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ” (Art. 1º, Decreto Nº 8.465/2015).
Assim sendo, os novos dispositivos legais promulgados pela presidenta visam suprimir, através de processo de arbitragem, as dívidas que as entidades descritas no trecho anterior venham a ter com a administração do porto (Companhias Docas, por exemplo) e a ANTAQ. A proposta é conveniente e abre caminho para empresas concessionárias voltem a compor o quadro de empresas que podem “celebrar ou prorrogar contratos de concessão e arrendamento, bem como obter novas autorizações”, que voltam a ter seus direitos assegurados.
Já o Decreto Nº 8.464/2015, promulgado na mesma data do anterior “altera o Decreto Nº 8.033, de 27 de junho de 2013”. A saber, o Decreto Nº 8.033 “regulamenta o disposto na Lei 12.815, de 5 de junho de 2013, e as demais disposições legais que regulam a exploração de portos organizados e de instalações portuárias” (Art. 1º, Decreto Nº 8.033/13). A principal mudança refere-se ao artigo 9º do mesmo Decreto.
O texto original previa que nas licitações de concessão e arrendamento seriam utilizados “como critérios para julgamento, de forma isolada ou combinada, a maior capacidade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação de carga” (Art. 9º, Decreto Nº 8.033/13).
No entanto, fica estabelecido a partir do Decreto Nº 8.464/2015, conforme transcrito a seguir, que:
“Art. 9º Nas licitações de concessão e arrendamento, serão utilizados, de forma combinada ou isolada, os seguintes critérios de julgamento:
I – maior capacidade de movimentação;
II – menor tarifa;
III – menor tempo de movimentação de carga;
IV – maior valor de investimento;
V – menor contraprestação do poder concedente;
VI – melhor proposta técnica, conforme critérios objetivos estabelecidos pelo poder concedente; ou;
VII – maior valor de outorga”.
Como podemos ver, a ampliação dos critérios de julgamento inclui a possibilidade das empresas interessadas no processo de licitação o mecanismo de maior valor de outorga. A crítica que podemos tecer sobre tal mecanismo é que este fora freqüentemente utilizado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso durante o processo de privatização das empresas nacionais em meados dos anos 90. A concessão, que já é alvo de críticas, foi (e continua sendo) adotada nos governos Lula e Dilma, como uma forma ‘velada’ de privatização. Com a nova etapa do PIL esta prática assume um viés ‘entreguista’, semelhante aquele observado durante a gestão do presidente tucano.
O interesse em adicionar as novas normas vigentes do Decreto Nº 8.033, que incluem o maior valor de outorga, já no primeiro bloco de concessões fazem parte de uma manobra da Secretaria dos Portos. A conclusão da proposta, porém, depende de negociações conjuntas com o Tribunal de Contas da União, responsável pela análise de viabilidade do primeiro pacote de concessões. A pressão do ministro Edinho Araújo para que tal ato se concretize já é grande, conforme apontado em matéria publicada pelo Valor Econômico no dia 9 de junho.
Os esforços da Secretaria dos Portos, representados pelo ministro Edinho Araújo, demonstram que as recentes ações tomadas pelo Governo Federal estão coordenadas com uma série de outras medidas que vão desde a Nova Lei dos Portos (Nº 12.815/13) até a promulgação dos dois novos decretos pela presidenta Dilma Rousseff (Decretos N 8.464 e Nº 8.465), citados anteriormente. O que podemos ver é que realmente, as ferramentas para ‘agradar’ o setor privado, o grande motor dessa nova etapa de concessões, se multiplicam dia após dia. É necessário, portanto, que prestemos atenção nas próximas fases do programa e como irão se comportar as empresas interessadas nos novos pacotes de concessão.
Como categoria amplamente interessada no assunto, seguiremos atentos!
Por Beatriz Bandeira de Mello, Cientista Política