O ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Maurício Quintella, quer garantir a dragagem do canal de acesso ao Porto de Santos e, para esse fim, considera “interessante” repassar a gestão do serviço a empresários do complexo marítimo. O compromisso foi destacado pelo próprio Quintella em entrevista exclusiva a A Tribuna, concedida durante sua visita ao Porto de Antuérpia, o segundo da Bélgica, na última semana. Ele também anunciou a criação de um grupo de trabalho para tratar da questão nos próximos dias. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
O Governo Federal aceitou debater a proposta de empresários do Porto de Santos, de repassar aos usuários do complexo a gestão da dragagem do canal do estuário. Porém, ainda falta a nomeação do grupo de trabalho que irá analisar a questão. Quando ela ocorrerá?
A portaria desse grupo de trabalho da dragagem deve sair nesta semana. Nós vamos juntar todo mundo, Agência (Nacional de Transportes Aquaviários) (Antaq), Porto de Santos (a Companhia Docas do Estado de São Paulo, a Autoridade Portuária), Ministério do Trabalho e, provavelmente o Planejamento. O grupo de trabalho do Ministério dos Transportes funciona. Funcionou no Decreto dos Portos (nº 9.048, de 10 de maio deste ano).
Como será a atuação desse grupo de trabalho?
O objetivo do grupo é que promova o debate. Nele, o Porto colocará sua posição, o setor privado colocará suas expectativas. Aí vai sair um documento e o governo vai avaliar sua posição.
Na sua avaliação, quando deve sair esse documento?
Depende do nível de debate, do nível de conflito e debate em relação à Agência, em relação à área jurídica do Ministério, em relação à área técnica. Se for um debate que flua bem, ok. Mas não posso estabelecer um prazo. O grupo de trabalho terá um prazo, que pode ser prorrogado. Mas nós queremos um bom trabalho que a gente saia com um bom documento que nos possibilite ter um marco legal, interessante.
Qual sua avaliação sobre a proposta de privatizar a gestão da dragagem, concedendo-a a um consórcio formado por empresários do complexo?
Em princípio, acho bastante interessante que o setor privado possa fazer o investimento. Nossa preocupação recai sobre o equilíbrio no fluxo de caixa nas finanças das companhias docas. Isto é uma coisa que tem de ser medida, equilibrada. Isso exigirá um planejamento muito maior da companhia, para que não haja esse impacto. O que a gente quer é garantir que o Porto não fique dependente de um processo licitatório interno ou do Governo Federal para fazer a dragagem de manutenção, garantir que o privado possa participar – o decreto (dos Portos) já abre essa possibilidade de a iniciativa privada assumir alguns serviços – e, ainda, estabelecer uma normativa que sirva para Santos e que a gente possa levar a outros portos do Brasil.
O grupo de trabalho pode ter de esperar uma reavaliação do sistema tarifário da Codesp?
Essa análise sobre as tarifas deverá ocorrer, mas agora, durante o grupo de trabalho. A Agência já tem esse estudo avançado e deverá levar esse estudo ao grupo. Eu acho que é uma grande oportunidade que a gente tem de avançar e definir essa revisão. E para essa revisão, a discussão é muito ampla. Tem sistema tarifário, fluxo de caixa das companhias docas e a própria capacidade das companhias.
Quintela julga interessante a proposta de privatizar a dragagem (Foto: Carlos Nogueira/AT) |
Na licitação realizada pelo Ministério para contratar a nova dragagem de Santos, a primeira colocada, que havia sido desclassificada, obteve na Justiça o direito de ficar com o contrato. Como está essa disputa judicial?
Nós temos notícias de que a primeira colocada conseguiu uma liminar. Mas não fomos notificados ainda. Mas com essa liminar, não faz sentido nós iniciarmos um processo, fazendo com que a empresa (que ficou em segundo lugar e foi considerada vencedora) se mobilize, comece a ter despesas e depois pare. Temos de esperar chegar essa notificação.
Com essa liminar, a licitação da nova dragagem sofrerá um novo atraso, não?
O processo está judicializado. Então temos de enfrentar a judicialização, que, aliás, virou – e posso dizer que não só no setor portuário, mas no setor de logística – uma parte do processo licitatório.
Essa judicialização reforça a tese de passar a gestão de dragagem para a iniciativa privada?
Esse tipo de cenário acaba reforçando isso, mas não quer dizer que não haverá judiciali-zação com a privatização da gestão da dragagem. Isso é uma possibilidade. Mas você diminui o nível de risco. Isso é um dos motivos que nos levam a buscar esse caminho.
Em sua visita ao Porto de Antuérpia, na Bélgica, na última quinta-feira, o sr. afirmou que a Codesp deve ter uma maior autonomia administrativa – hoje, há uma concentração de decisões em Brasília. E disse que um grupo de trabalho já analisa a questão. Como está o trabalho desta equipe?
Temos um outro grupo de trabalho que analisa como garantir uma maior autonomia, uma maior delegação de competência para os portos públicos brasileiros. Achamos que isso dará uma resposta muito mais rápida, um maior poder decisório, uma maior agilidade.
Ao conhecer o Porto de Antuérpia, o sr. teve contato com um complexo marítimo de importância mundial – é o segundo em movimentação de contêineres na Europa. Como o senhor avalia esse modelo?
Para o setor portuário público do Brasil, acho que é um modelo do qual podemos tirar várias lições de sucesso. Qual o grande problema do Brasil? É que o porto público, a decisão do porto público está muito vinculada à do poder central. Então ela demora, até por força do atual marco regulatório. O grupo de trabalho do Ministério que analisa uma maior autonomia administrativa aos portos estuda as formas – dentro da legislação atual ou, se precisar, através de um decreto ou de qualquer instrumento legislativo que seja possível- para que a gente inicie um processo de delegação de competência dos portos públicos. Ou, como está acontecendo agora com a Docas do Espírito Santo, um processo de concessão ou privati-zação do porto.
Quando esse grupo de trabalho apresentará suas conclusões? Ainda neste ano?
Eu prefiro não trabalhar com prazos. Prefiro ter a perspectiva de que eles farão um bom trabalho.
Mas o sr. espera resultados desse grupo ainda em sua atual gestão no ministério, até o final do Governo Temer?
Eu espero. Nós resolvemos enfrentar a desburocratização. Foi o que ocorreu com a revisão daquele decreto (o Decreto nº 8.033, de 2013, que regulamentou o novo marco regulatório do setor e foi revisado pelo Decreto nº 9.048, deste ano). Ele precisava ser modernizado.
Edifício do porto belga: cidade é reconhecida pela capacitação (Foto:Vanessa Rodrigues/AT) |
Na visita ao Porto de Antuérpia, a direção da autoridade portuária informou que pretende retomar o projeto de implantação no Brasil de uma unidade de seu centro de treinamento e qualificação profissional, a Apec. Como o Ministério irá trabalhar esse projeto?
Esse foi um dos motivos dessa viagem. Isso é uma necessidade do Brasil, de Santos. Nós tínhamos um MoU (Memorandum of Understanding ou, na tradução do inglês, Memorando de Entendimento) assinado, estava pronto para ser implantado. O Ministério já estava conversando com as universidades e, por uma decisão política, que eu agora não posso lhe dizer por que ela foi tomada, se foi pela crise, pelo momento político, enfim …
Isso ocorreu na gestão do ministro dos Portos, Elder Barbalho.
Eu não sei nem quem foi. Mas o MOU acabou sendo extinto, foi cancelado. E, agora, nós autorizamos nossa secretaria internacional e nossa secretaria de portos a retomar as conversas com o Porto de Antuérpia. E eles já estão conversando ali (o ministro aponta para o assessor internacional do Ministério, José Newton Gama, conversando com representantes do Porto de Antuérpia a poucos metros de distância de onde ocorre a entrevista). A expectativa da gente é que nós vamos, agora, informar ao Porto de Antuérpia que temos interesse em retomar o MOU e vamos seguir o procedimento para adotarmos isso o mais rápido possível.
Alguma expectativa de quando teremos algum resultado? Ainda em sua gestão?
Pretendo que sim. Sem dúvida nenhuma. Só não posso dizer quanto tempo levará isso, pois vai envolver outros ministérios, como o Ministério das Relações Exteriores. Mas nós vamos agora, a partir desta viagem, estartar esse MOU.
Fonte: A Tribuna