Há pelo menos dois anos assistimos o avanço gradativo de forças políticas conservadoras de direita pautadas por diretrizes econômicas neoliberais. Não só na América Latina como também em países como Estados Unidos, França e Espanha, a onda conservadora afeta principalmente as classes sociais mais pobres, os trabalhadores e os setores marginalizados da sociedade. Os efeitos da crise mundial atingem as populações de formas diferentes, limitando oportunidades de ascensão social e garantias oferecidas na última década por governos progressistas.
No Brasil, a ala conservadora se enraizou no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional. Desde o final de 2014, a crise política, econômica e social instaurada em nosso país lança luz na face mais obscura de nossa sociedade. O impeachment da presidenta Dilma Rousseff foi o ápice do giro político rumo à direita. No entanto, se observarmos com cautela o ordenamento do cenário político internacional vemos que a crise pela qual passa o Brasil faz parte de um processo global de reordenamento da direita, que ao longo da última década impôs retaliações e críticas aos projetos de cunho socialdemocrata.
Leonardo Boff, teólogo, escritor e professor brasileiro, acredita que “essa etapa das democracias novas de cunho popular e republicano, que surgiram depois das ditaduras, estão recebendo os impactos dessa ofensiva da direita, organizada e financiada também a partir do Pentágono. Essa direita está se organizando em nível mundial”.
Na Espanha, o Partido Popular liderado por Mariano Rajoy acaba de vencer as eleições legislativas. Considerado um partido conservador, seus partidários se intitulam como reformistas de centro. Na França, a reforma trabalhista imposta pelo presidente François Hollande leva as ruas milhares de trabalhadores, estudantes e cidadãos desde o início deste ano. No caso francês, as paralisações são organizadas pelos principais sindicatos do país que reivindicam a derrubada da reforma que facilita e desonera demissões. Em quatro meses já foram realizados dez protestos contra a proposta. A recente crise atinge em cheio o núcleo do poder francês e evidencia as pressões por parte das grandes empresas em retirar direitos trabalhistas e a incapacidade de negociação do governo.
O mesmo acontece na Argentina. Desde a vitória de Maurício Macri nas eleições presidenciais de 2015, os argentinos vêm sofrendo com o aumento das tarifas de luz, água e gás que subiram cerca de 500%. No setor público, o número de demissões chega a 20.000 segundo os sindicatos locais. De acordo com o jornal O Globo, em maio deste ano a receita tributária aumentou em 23%, muito abaixo da inflação – que está na casa dos 30%. A produção industrial nacional caiu 6,7% em relação ao ano anterior. Macri afirma que as reformas fazem parte de um novo projeto do governo para recuperar a confiança do país no cenário internacional. A política externa não deixa dúvidas: a reaproximação com os Estados Unidos e com a Aliança do Pacífico deixam claras as intenções do presidente argentino.
Nos Estados Unidos, considerado o país que possui a democracia mais avançada do mundo, o aparecimento do candidato Donald Trump e o crescimento de sua popularidade nos últimos meses derrubaram as teorias dos analistas mais céticos. A eleição presidencial deste ano coloca frente a frente o empresário magnata, pelo Partido Republicano, e a ex-Secretária de Estado dos EUA Hilary Clinton, pelo Partido Democrata. Mas o que mais assusta nesse cenário não são os discursos acalorados que fazem parte de qualquer disputa política e sim as declarações xenofóbicas, racistas e machistas de Trump. Durante as primárias, o candidato propôs a construção de um muro separando o México dos Estados Unidos, chamando os mexicanos de estupradores, além de insistir em uma investida armada contra o Iraque em busca de petróleo.
No outro lado do Atlântico a mais recente reviravolta política se alojou nas terras da Rainha Elizabeth: a saída do Reino Unido da União Europeia. No dia 23 de junho, dos 33 milhões de eleitores que foram as urnas, 51,9% votaram pela saída do bloco. O referendo, convocado pelo primeiro-ministro David Cameron, foi um marco na relação entre o país e a UE – que durou 43 anos. A separação foi chamada de BREXIT, numa alusão a união das palavras Britain e Exit , que signica “saída” em inglês.
Segundo os apoiadores da medida, o Reino Unido gastava muito mais com a manutenção da permanência do país no bloco do que com suas despesas internas. Esse posicionamento pode ser explicado em parte, pelo avanço do setor conservador britânico. Grande parte dos apoiadores do BREXIT é alinhada a setores à direita do Partido Conservador e outras agremiações que vêm crescendo no Reino Unido com discurso xenófobo e racista. A política migratória é um dos carros-chefes dos defensores do BREXIT, juntamente com as dificuldades econômicas da Europa.
Já no Brasil, grande parte dos acontecimentos recentes é derivada do rearranjo político institucional movido pela aproximação entre os partidos PSDB e PMDB. Conduzidos pelo líder da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, a ofensiva conservadora ganhou força com a instauração do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. O crescimento da ala fundamentalista do Congresso também é um dos fatores que colaboram para o “endireitamento” da política brasileira juntamente com a notoriedade adquirida por políticos extremistas, como o deputado Jair Bolsonaro, que entoam discursos de ódio contra as minorias, pregam a volta da ditadura militar e a política de armamento.
A crise internacional, que atinge dimensões políticas, sociais e econômicas oferece margem para o crescimento de sentimentos nacionalistas. Quando existem muitos problemas econômicos, a extrema direita sempre entra em ação oferecendo um projeto de recuperação nacional que coloca em lados opostos “nós” e os “outros”. A luta contra o inimigo, seja ele interno ou externo, dá o tom dos discursos da extrema-direita. Somente com os casos aqui mencionados observamos que a crise avança para o setor trabalhista que passa a viver com a ameaça das privatizações, terceirizações, corte de direitos sociais, limitação de recursos para saúde e educação e reforma da legislação previdenciária e trabalhista.
A política, assim como a economia é cíclica, alterna-se entre a esquerda e a direita. Portanto, é necessário manter a atenção sobre os desdobramentos futuros das ações conservadoras que hoje acompanhamos em todo o mundo e pensar em novas formas de organização e articulação da esquerda, não só em nível nacional, como em nível internacional.
Gavazzoni & Bandeira de Mello
* Com colaboração dos portais: BBC, Folha de São Paulo, IstoÉ, Jornal O Globo, Portal Vermelho, El País, Estado de São Paulo, A Tribuna, Revista Veja